É curioso notar como a imprensa faz a cobertura dos eventos da indústria do entretenimento nesses tempos de rupturas.
Depois do anúncio da Warner (comentados no #002 e #003), a Disney fez sua apresentação anual para os investidores, com uma avalanche de lançamentos para os próximos anos. Surpreendente? Sim e não.
Sim. Todos (inclusive a Warner) esperavam que a Disney também fosse embarcar no trem dos lançamentos simultâneos no cinema e no Disney+, o que não aconteceu. Por outro lado, anunciar projetos que claramente iriam para as salas de cinema como projetos originais do streaming é basicamente a mesma coisa, porém feito de maneira mais esperta. Admiro.
Não. A maior parte dos projetos anunciados já era de conhecimento público, como a Fase 4 do Multiverso Marvel e os filmes da franquia ‘Star Wars’.
A Disney hoje domina o box office nos EUA e em boa parte do mundo com suas franquias, sequels, reboots e revivals. Se tem um grupo que não faria sentido optar pela estratégia D2S seria ele. Mesmo com a pandemia.
O cinema de massa (e em boa parte a TV) é um oligopólio de controle da oferta. Poucos grupos determinam a quantidade de produtos que serão oferecidos ao mercado todo ano, justamente para poder determinar quanto tempo eles estarão disponíveis e por que preço.
A janela da salas de cinema ainda é muito importante para a Disney. Mesmo apresentando sinais de cansaço, a estratégia de lançar arrasa-quarteirões (ótimo termo para os filmes da Marvel) ainda vai perdurar por alguns anos. E crianças tendem a ir mais de uma vez ver um filme quando gostam. E não vão sozinhas. Ou seja, o dobro de ingressos de um filme convencional. Jedis idem.
A única coisa que me chamou a atenção de fato é que todos os novos produtos da Marvel tem um elemento de multiverso inserido, conceito iniciado no ‘Aranhaverso’.
O que é muito inteligente da parte deles, pois permite trocar elencos, misturá-los, fazer participações especiais, gerenciando as expectativas dos fãs sem perder a coerência narrativa. Teve até Capitão América zumbi nas imagens.
Outro lançamento que também chamou a minha atenção foi o do jogo ‘Cyberpunk 2077’, da Projekt RED. Para quem não tem contato com esse universo, é basicamente o jogo mais antecipado do ano. Em um ano que todo mundo está trancado em casa com excesso de expectativas (boas e ruins).
E expectativa demais nunca é bom, certo?
Exatamente. O lançamento já tinha sido adiado três vezes. E chega uma hora que vai ou racha. E rachou. Glitches, falhas de dublagem e até objetos faltando causaram uma certa decepção no público.
E expectativa de gamer só não é pior que a de fãs de ‘Star Wars’ e do ‘BTS Army’ atualmente (falaremos sobre eles num próximo post). Essa lógica de ‘vida em BETA’ só tende a se tornar mais comum, conforme a preferência por assinaturas como modelo de negócio aumenta.
Ela sempre existiu, mas nem sempre foi um ponto de atenção ou controvérsia. Telenovelas, por exemplo, usam focus groups e os números da audiência para fazer as adaptações com a novela ainda no ar. Séries fazem ajustes de uma temporada para a outra (A versão norte-americana ‘The Office’ é um grande exemplo disso). Programas de variedades ao vivo ajustam com o avião voando. Se dá errado, é sempre um desastre.
E os jogos estão virando os novos programas de variedade ao vivo.
A diferença agora é a aceleração e o gerenciamento de expectativas. A aceleração obriga produtores do entretenimento a muitas vezes encurtar as fases de desenvolvimento e pós-produção em favor do marketing, para garantir olhares num mercado de atenções fragmentadas. O que cria o segundo ponto.
O gerenciamento de expectativas. Se um produto já estabelecido com alguma base de fãs, precisa que ela aumente, ele não pode ser dar ao luxo de perdê-los ou desagradá-los. E isso é extremamente difícil de fazer. Jedis, Potters, Marvels e até Turma da Mônica sabem bem disso.
Se o produto é novo e original (coisa cada vez mais rara), ele tem que partir do zero para criar uma base de fãs. E eles são decisivos para o sucesso ou fracasso durante o lançamento, pois geram boa parte do boca a boca.
Os tempos das obras audiovisuais e dos jogos na cadeia produtiva são similares. Do roteiro de um blockbuster até a première, em média são três anos (em um mercado saudável, não no Brasil). O mesmo para jogos AAA. E não adianta correr ou acelerar muito isso, sob o risco de lançar um produto com falhas.
Moral da história: não corra demais com seu projeto. Deixe ele criar pernas primeiro.
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Tiago Campany é executivo, produtor, pesquisador e professor. Não necessariamente nessa ordem. Atualmente trabalha na Globo e é nerd assumido. E adora tirar dúvidas e sugestões.