Se você assistiu ao documentário da Netflix ‘O Dilema das Redes’, sabe que no digital quase tudo que é gratuito é feito para vender a trilha de dados do usuários para os anunciantes, em um modelo invasivo de privacidade onde a máxima é ‘se é gratuito, o produto é você’.
É claro que não precisa ser assim, mas estamos aprendendo. A melhor maneira de reter a atenção de um usuário é ser útil para ele. É aí que entram os mecanismos de recomendação, que nada mais são que uma curadoria automatizada por algoritmos.
Essa curadoria, porém, tem um custo. Não um custo monetário, mas um custo de percepção de valor. Se o algoritmo ‘acerta’, o usuário fica satisfeito, porém se erra, o usuário tende fechar o app ou desligar a TV. E ninguém quer isso.
Curiosamente, me deparei essa semana com dois posts que mostram bem a busca e a necessidade dos ajustes destes modelos.
O primeiro post é do Eric Sromberg no Twitter, sobre o quadrante da concentração no digital. Ele apresenta os conceitos de ‘descoberta x exploração’ das pegadas na trilha digital deixada pelo usuário nos serviços.
Explicando:
Vamos supor que você escute uma música do artista X do gênero Y no Spotify e curta. Ao te sugerir uma nova música, o Spotify pode explorar o seu histórico de curtidas e te sugerir uma outra música do gênero Y. Ou pode te sugerir uma canção nova do artista X e manter seu engajamento na plataforma. Uma aposta, porém, segura. No longo prazo, o usuário pode se cansar e cancelar o serviço.
O Spotify pode ainda sugerir algo novo (a descoberta) e registrar essa nova pegada digital para todo um novo gênero ou artista, mantendo o usuário satisfeito. O custo do erro de recomendação aqui é maior que no primeiro caso.
A única maneira hoje de aumentar a taxa de acerto é pelo número de pegadas digitais. Quanto mais pegadas (ou signals), melhor fuciona o algoritmo de recomendação.
No eixo vertical temos o número de pegadas digitais deixadas pelo usuário ao utilizar o serviço. Se você já usou ou viu alguém utilizando o TikTok ou Instagram, é fácil de entender porque ele está ali no topo. O ritmo frenético dos vídeos, a duração curta e o baixo atrito na navegação, fazem com que o usuário médio assista 20 vídeos* por sessão, deixando 100x mais sinais que o usuário da Netflix, por exemplo.
O custo de recomendação deste dois então é muito menor (segundos x horas). Ou seja, é muito mais fácil perceber que um vídeo não te agradou em alguns segundos no TikTok que ter que assistir um filme até a metade na Netflix pra perceber que ele é ruim.
Conectando
Não à toa, a plataforma de streaming anunciou este mês que também irá apostar em vídeos mais curtos, como no derivado da série adolescente espanhola ‘Elite’.
Ou melhor ainda, com o lançamento da ‘Fast Laughs’ uma ferramenta de vídeos quase idêntica ao TikTok, porém com clipes de humor dos diversos títulos do catálogo.
O objetivo é fazer o assinante deixar mais pegadas digitais no serviço, melhorando o algoritmo e as recomendações. E por consequência, a percepção de valor do assinante.
A Google também já percebeu o potencial desse tipo de serviço ao lançar o seu agregador, o Google TV. No Brasil, já temos experiências que misturam algoritmos com curadoria humana, como o app VRW, lançado esse mês pelo site Viu Review.
E, claro, ganha a batalha quem é percebido como mais útil.
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* (cerca de 5 minutos, com 15 segundos de média/vídeo)
Tiago Campany é executivo, produtor, pesquisador e professor. Não necessariamente nessa ordem. Atualmente ajuda o pessoal do departamento de criação da Globo a entender a vida como ela é (trocadilho intencional). E adora tirar dúvidas e sugestões.